Um dia fora de tudo o que me interessa. Um dia
rodeado de livros mas sem pensar no que eles guardam – ou carregam. Escolhi a
vida que tenho por subtracção, não por soma. Fui descontando ao desígnio as
oportunidades, deixando que as opções se esbatessem antes que tivesse a
possibilidade de verdadeiramente escolher. Não me posso queixar do que tenho; talvez
não tenha nada de que me possa vir a arrepender. Mas essa desilusão, esse
desencanto, essa permanente dor surda que me deixa de sobreaviso, esperando o
que não pode ser esperado, acabando por nunca acontecer. Mais do que medo, um
medo de que algum dia submeta ao vazio as horas que me foram dadas viver. E que
acabe por perder no confronto as alegrias, subtis e efémeras, as que apenas se
reconhecem quando se recorre à memória. E volto ao mesmo, a ferramenta que
impele a escrita, quando à razão submetemos o julgamento das emoções, do que
fomos sentindo, até chegarmos ao ponto em que apenas as palavras podem definir de
forma nítida essa brevidade de uma sensação. A memória sobrevive, e
talvez apenas ela nos permita continuar a fazer. Li que o mecanismo que nos
permite prever o futuro é semelhante ao que nos faz recordar. Lembrar como se
soubesse o que a manhã me trará, pensar no que serei apenas divisando o que
agora sou, na impossibilidade de imaginar um outro. Um regresso à noite e a
tudo o que me interessa. Algum consolo. Ausência de mim, e do corpo.