sábado, 9 de abril de 2016

As meninas, segundo Vélazquez

As meninas espreitam por cima das cabeças.
O pintor olha para nós,
mas as pessoas estão à nossa frente e mal
conseguimos perceber o sorriso irónico -
no momento seguinte ele é sério e
posa para a história, para todos os dias
em que as portas do museu se abrem e recebem
os escolhos da modernidade, turistas
de máquina fotográfica em riste
roubando a alma das meninas.

Talvez até já tenha sido escrito
um poema sobre isto - mas esse poema
não nos tinha aqui, olhando de volta
aquele centro magnífico de onde irradia
essa majestade de outrora, o corpo afastando-se
da tela, as damas e os anões da corte
num êxtase de inutilidade pomposa,
cão aos pés, derreado pela servidão
aos monarcas capturados pela sombra de um reflexo,
o rei espreitando a cena, curioso secundário,
e a imagem multiplicada do artista, sob
a ombreira ao fundo e em todos os quadros
dos seus mestres
cobrindo as paredes até ao tecto.

Mil vezes os turistas se repetem,
e aquele gesto solene do pintor e
os enigmas ocultos pela hábil mão
não são agora mais do que mil fotos perdidas
em discos rígidos de computadores,
vazio imaterial, presença estilhaçada.
Nada. Nada mais que nada.