Não há único momento da vida que seja repetição de
um anterior. Pode haver qualidades, motivações, palavras idênticas, mas nunca o
mesmo acontecimento. Quem se entrega à rotina dos dias (quem não se entrega?) sabe que cada viagem empreendida exactamente à mesma hora do dia não é
exactamente igual. Quando desaprendemos de viver, o tédio começa a instalar-se.
É necessário voltar a olhar para os momentos similares como desiguais.
Sentamo-nos no mesmo lugar na segunda carruagem do comboio, mas são outros
passageiros que vemos. Aquela mulher que lê uma revista não é a mesma que ontem
olhava discretamente para o reflexo na janela, ajeitando o cabelo. O homem
brincando nervosamente com as teclas do telemóvel ontem não apanhou este
comboio, ou talvez tenha apanhado mas escolheu outra carruagem. A paisagem não
é igual. Ontem a chuva escorria arrastada pela velocidade, hoje uma clara luz
atravessa o vidro, inundando os lugares e aquecendo os passageiros. Quando o
comboio chegar à estação e as centenas de pessoas desembocarem, o rio será
diferente do que foi ontem, do que será amanhã, do que será durante todos os
dias que o comboio parar na estação quotidiana. O que trará mais felicidade,
maior consolo ao coração? A familiaridade da repetição ou a diferença dos dias,
à espera que sejam admirados cada um por si, sem qualquer grau de semelhança com o
anterior ou o próximo? Que queremos nós, a ilusão da repetição ou a crua e bela
verdade da diferença?