segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Momento

Há quem viva por quem não quer viver.
Um homem de noventa e um anos procura com curiosidade um livro. Passos titubeantes, voz rouca e sumida, o peso da idade. Mas uma vivacidade clara no olhar, que o obriga a alimentar a curiosidade e a vontade de continuar a aprender. Sem hesitação, sabe (mas não diz) que poderá ter pouco tempo para os livros que tem em casa. Estantes cheias de sabedoria acumulada que não será apreendida. Por ele, talvez por ninguém mais.

(Os alfabarristas são os abutres dos livros. Esperam a morte do leitor e atiram-se aos despojos, comprando por tuta e meia preciosidades a filhos desprevenidos e multiplicando o valor material por mil. Matam a alma do livro, transformando-o em mero objecto, coleccionável e transacionável como um bem efémero.)

Enquanto por cá está, caminha, anda, e vê e procura o conhecimento. Não interessa o que saberá ou o que nunca poderá saber. Como no resto, importa manter vivo o caminho, os passos que o percorrem, em fundo a ténue chama da possibilidade, do ser.
Há quem viva por quem não quer viver. Quem recusa a sede do conhecimento nunca saberá o que é viver.