sexta-feira, 10 de abril de 2015

Caderno de encargos (3)

Essa permanência de que falam os cientistas. A nova invenção: não existe tempo. Nem passado, aquilo em que julgamos acreditar, nem futuro, o que não pode ser conhecido. Apenas presente, fluindo e fugindo, caindo entre os dedos, imagem que não conseguimos fixar, chama trémula que não agarramos, mas queima. Aqui estou admitindo que o que me trouxe aqui não passa de uma ficção - agora, aqui estou eu afirmando que o que acabei de dizer não existe, ou que apenas existe por força de uma crença, tão absurda como em qualquer deus. Absurda, sim, mas não inútil. Esta crença que é a plasticina que molda o mundo, lhe dá consistência, e permite aceitar que os cientistas digam que todas as memórias que, com a força de uma torrente de primavera, me assoberbam o espírito, não existem. Porque o passado é feito de memória, se o tempo existe já não o conseguimos aceder, mas se não existe o que aconteceu não passou de um sonho. Um sonho: pensando bem, nele não existe o tempo; nem passado, nem futuro, apenas presente fluindo. Portanto, do que os cientistas falam é de um sonho, não da vida. Essa permanência que esvazia de sentido todo o gesto, toda a acção, todo o pensamento. 

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Todos os que estão mortos

Quando um homem conhece outro homem
Procura-o
Não se esconde.

Não espera 
Por mais uma noite 
Com a mulher
Nem quer voltar a deitar as crianças.

Veste uma camisa lavada e um fato escuro
E vai ao barbeiro
Deixar que outro homem o barbeie.

Ele fecha os olhos,
Lembra-se de quando era um rapaz
Deitado nu numa rocha à beira da água.

Depois pede a loção especial.
Os velhos aproximam-se da cadeira
E o barbeiro deita um pouco
Em cada uma das mãos.

Frank Stanford, versão minha.